Recurso
do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) transferido para
aplicação financeira deixa de ser verba alimentar e pode ser
passível de penhora? Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), a resposta é sim.
No
processo relatado pela ministra Nancy Andrighi, a Turma analisou
minuciosamente a questão da penhorabilidade de verbas rescisórias
trabalhistas aplicadas em fundo de investimento, em julgamento de
recurso contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
ao analisar embargos do devedor.
No caso
em questão, o embargante sustentou que a transferência da verba
rescisória trabalhista para fundo de investimento não modifica sua
natureza alimentar, devendo ser mantida a sua impenhorabilidade. O
tribunal gaúcho rejeitou o recurso e ratificou a sentença. O
devedor, então, recorreu ao STJ.
Citando
vários precedentes, Nancy Andrighi ressaltou que o STJ possui
jurisprudência pacífica quanto à impenhorabilidade de verbas de
natureza alimentar e de depósitos em caderneta de poupança até o
limite de 40 salários mínimos. Mas admitiu que a jurisprudência
ainda não se consolidou sobre valor advindo de rescisão trabalhista
transferido para fundo de investimento, sendo possível encontrar
decisões divergentes sobre o tema.
Divergência
Como
exemplo, ela citou decisão da Quarta Turma que concluiu ser
“inadmissível a penhora dos valores recebidos a título de verba
rescisória de contrato de trabalho e depositados em conta corrente
destinada ao recebimento de remuneração salarial (conta salário),
ainda que tais verbas estejam aplicadas em fundos de investimento, no
próprio banco, para melhor aproveitamento do depósito”.
A mesma
Quarta Turma também decidiu que valores em caderneta de poupança e
outros tipos de aplicações e investimentos, “embora possam ter
originalmente natureza alimentar, provindo de remuneração mensal
percebida pelo titular, perdem essa característica no decorrer do
tempo, justamente porque não foram utilizados para manutenção do
empregado e de sua família no período em que auferidos, passando a
se constituir em investimento ou poupança”.
A
Terceira Turma alcançou conclusão semelhante ao consignar que,
“ainda que percebidos a título remuneratório, ao serem
depositados em aplicações financeiras como a poupança, referidos
valores perdem a natureza alimentar, afastando a regra da
impenhorabilidade”.
Controvérsia
Para
solucionar a controvérsia, Nancy Andrighi fez uma análise
sistemática do artigo 649 do Código de Processo Civil, com base em
duas premissas: se a verba manteve ou não o seu caráter alimentar
ou, pelo menos, se poderia se valer da impenhorabilidade conferida
aos depósitos em caderneta de poupança.
Ela
constatou que, apesar de a impenhorabilidade das verbas alimentares
não dispor expressamente até que ponto elas permanecerão sob a
proteção desse benefício, infere-se da redação legal que somente
manterão essa condição enquanto “destinadas ao sustento do
devedor e sua família”, ou seja, enquanto se prestarem ao
atendimento das necessidades básicas do devedor e seus dependentes.
“Em
outras palavras, na hipótese de qualquer provento de índole
salarial se mostrar, ao final do período – isto é, até o
recebimento de novo provento de igual natureza –, superior ao custo
necessário ao sustento do titular e seus familiares, essa sobra
perde o caráter alimentício e passa a ser uma reserva ou economia,
tornando-se, em princípio, penhorável”, destacou.
Assim,
afirmou a ministra em seu voto, não se mostra razoável, como regra,
admitir que verbas alimentares não utilizadas no período para a
própria subsistência sejam transformadas em aplicações ou
investimentos financeiros e continuem a gozar do benefício da
impenhorabilidade.
Fruto do
trabalho
Para a
ministra, foi justamente pelo fato de grande parte do capital
acumulado pelas pessoas ser fruto do seu próprio trabalho que o
legislador criou uma exceção à regra, prevendo expressamente que
valores até o limite de 40 salários mínimos aplicados em caderneta
de poupança são impenhoráveis.
“Caso
contrário, se as verbas salariais não utilizadas pelo titular para
subsistência mantivessem sua natureza alimentar, teríamos por
impenhoráveis todo o patrimônio construído pelo devedor a partir
desses recursos”, enfatizou a relatora.
Na
avaliação da ministra Nancy Andrighi, as aplicações superiores a
40 salários mínimos não foram contempladas pela impenhorabilidade
fixada pelo legislador para que efetivamente possam vir a ser objeto
de constrição, impedindo que o devedor abuse do benefício legal,
escudando-se na proteção conferida às verbas de natureza alimentar
para se esquivar do cumprimento de suas obrigações, a despeito de
possuir condição financeira para tanto.
“O que
se quis assegurar com a impenhorabilidade de verbas alimentares foi a
sobrevivência digna do devedor e não a manutenção de um padrão
de vida acima das suas condições, às custas do devedor”,
concluiu a relatora, ao negar provimento ao recurso especial. A
decisão foi unânime.
Fonte
site STJ
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