A Quinta
Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus
em favor do proprietário de casa em construção onde uma criança
morreu afogada na piscina. Os ministros consideraram que o
proprietário da obra e o dono da construtora não agiram com
negligência e declararam a deficiência da denúncia, por ter sido
formulada em desacordo com o artigo 41 do Código de Processo Penal
(CPP), que traça os requisitos a serem observados na elaboração da
peça.
A
denúncia afirmou que o proprietário da casa em construção
praticou homicídio culposo, pois permitiu “que fossem retirados os
tapumes de compensado que dividiam as propriedades, sem a devida
colocação das quadras de tela no local, o que possibilitou a
entrada da vítima na residência, bem como na piscina existente no
local, o que ocasionou a sua morte por afogamento”.
Após a
defesa preliminar do proprietário, o juiz recebeu a denúncia.
Inconformada com a decisão, a defesa apresentou habeas corpus, com
pedido de trancamento da ação penal, perante o Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul (TJRS).
No TJRS,
a ordem foi negada. A corte argumentou que a concessão de habeas
corpus para trancamento da ação “só tem cabimento quando a
atipicidade da conduta for induvidosa, ou quando não houver qualquer
elemento de prova que fundamente a imputação, não se tratando do
caso dos autos”.
Inépcia
da denúncia
Ainda
insatisfeita, a defesa apresentou habeas corpus no STJ. Alegou
inépcia da denúncia, bem como ausência de justa causa para
prosseguimento da ação penal. Sustentou que na denúncia não havia
evidência da falta de dever objetivo de cuidado, pois o proprietário
apenas havia contratado o engenheiro responsável pela obra.
Afirmou
que ele construiu muro divisório na residência, em conformidade com
as normas municipais, e que o Ministério Público não havia
apontado qual norma exigiria a colocação ou manutenção de tapumes
ao redor da piscina.
No STJ, o
ministro Jorge Mussi explicou a razão de a Corte analisar o mérito
da questão, já que se trata de habeas corpus substitutivo de
recurso, o que não vem sendo mais aceito pela jurisprudência.
“Tratando-se de remédio constitucional impetrado antes da
alteração do entendimento jurisprudencial, o alegado
constrangimento ilegal será enfrentado para que se analise a
possibilidade de eventual concessão de habeas corpus de ofício”,
esclareceu.
Ultrapassada
a questão processual, o ministro Mussi, relator do pedido, concluiu
que não houve violação de um dever objetivo de cuidado por meio de
conduta negligente, imprudente ou imperita.
Dever de
cuidado
O
ministro citou o doutrinador Cezar Roberto Bitencourt, autor do
Código Penal Comentado, que afirma não violar o dever de cuidado a
ação meramente arriscada ou perigosa. “O progresso e as
necessidades cotidianas autorizam a assunção de certos riscos que
são da natureza de tais atividades, como, por exemplo,
médico-cirúrgica, tráfego de veículos, construção civil em
arranha-céus etc. Nesses casos, somente quando faltar a atenção e
cuidados especiais, que devem ser empregados, poder-se-á falar de
culpa”, diz o autor.
Para a
Turma, a prática do crime de homicídio culposo foi imputada ao
proprietário do terreno porque “teria retirado os tapumes que
isolavam o local e deixado de colocar quadras de tela para impedir o
acesso de terceiros, o que caracterizaria a conduta omissiva
negligente”.
Entretanto,
de acordo com os ministros, não existe no ordenamento jurídico a
obrigatoriedade de que residências ou obras nelas realizadas sejam
cercadas ou muradas. “O não isolamento de um terreno particular
onde está localizada uma piscina, por si só, não caracteriza a
inobservância de um dever objetivo de cuidado”, ressaltaram.
Para o
colegiado, a morte de uma criança por afogamento não é um
acontecimento previsível para o agente que não cerca ou não
constrói muro em área onde existe uma piscina, principalmente
quando não há notícia de que a vítima residia na propriedade
vizinha.
Os
ministros observaram que a falta do dever objetivo de cuidado
aconteceu por parte da pessoa que estava responsável pela criança,
“já que se tratava de menor absolutamente incapaz”.
Conforme
análise da Turma, o único elemento que vincula o paciente ao local
dos fatos “é a propriedade que exerce sobre o terreno em que a
vítima ingressou e veio a óbito”.
Requisitos
Jorge
Mussi avaliou que a denúncia não foi formulada em obediência ao
artigo 41 do CPP. Expôs ensinamento doutrinário ressaltando que na
peça devem estar relatadas todas as circunstâncias do fato que
possam interessar à análise do crime, pois a falta de descrição
de uma elementar provoca inépcia da denúncia, já que a defesa não
pode se defender de um fato que não foi imputado ao acusado.
O relator
do habeas corpus considerou que a denúncia não foi formulada de
acordo com as exigências do CPP, “uma vez que deixou de descrever
a falta de dever objetivo de cuidado por parte do paciente,
atribuindo-lhe a prática do crime de homicídio culposo sem que
tenha praticado qualquer conduta que tenha dado causa à morte da
vítima”.
Com esses
argumentos, a Quinta Turma concedeu o habeas corpus de ofício para
trancar a ação penal.
Fonte
site STJ
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