Editada
em 1984, a Lei de Execuções Penais (LEP) deve passar por reformas
profundas em breve. O Senado Federal encomendou um anteprojeto a
juristas e profissionais da área. A comissão responsável pelos
estudos foi instalada no último dia 4, sob a presidência do
ministro Sidnei Beneti, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Para o
ministro, a lei atual é boa, inspirada por elevados valores
humanitários. O objetivo da LEP é respeitar o ser humano condenado,
permitindo sua recuperação pessoal, reinserção e manutenção do
convívio em sociedade.
Porém,
segundo o presidente da comissão de juristas, a realidade não pode
ser ignorada. E a realidade é que o dia a dia da execução penal no
Brasil não atinge seus objetivos nucleares nem proporciona proteção
à sociedade e prevenção da criminalidade.
Superlotação
e impunidade
De acordo
com o ministro, de um lado os condenados são mantidos em presídios
superlotados, muitos com penas já cumpridas, soterrados por
procedimentos burocráticos.
De outro,
afirma, “a sociedade recolhe o microtraumatismo repetidamente visto
e noticiado da sensação de impunidade, diante da ineficácia da lei
penal. A sociedade suporta a devolução de pessoas perigosas ao
convívio livre com vítimas e testemunhas, prodigalizando o retorno
do medo à vida diária. Nociva sensação de abandono do agir
honesto, do respeito às leis e às instituições”.
Ao longo
desses anos, o STJ tem enfrentado diversas questões relativas ao
tema. Confira nesta reportagem especial alguns dos assuntos tratados
pela LEP e que devem ser discutidos pela comissão de juristas.
Súmulas
Seis
súmulas do STJ abordam diretamente a execução penal. A mais
recente, de número 493, impede que seja aplicada como condição
para o regime aberto uma situação já classificada pelo Código
Penal como pena substitutiva autônoma.
O
entendimento foi fixado no Recurso Especial repetitivo 1.107.314.
Para os ministros, exigir que o condenado prestasse serviços à
comunidade para obter o regime aberto resultaria em dupla
penalização.
Conforme
o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, as “condições especiais”
possíveis para a fixação do regime aberto devem se identificar com
medidas de caráter educativo, profissionalizante, de valorização
da cidadania ou acompanhamento psicológico ou médico.
Salto
Por outro
lado, a Súmula 491 impede a progressão de regime “por salto”.
Ou seja: é ilegal a progressão direta do regime fechado ao aberto.
Em um dos
precedentes considerados para edição do verbete (HC 191.223), o
preso tinha o direito de passar ao regime semiaberto desde 2006, mas
foi mantido em regime fechado até 2009 por falta de vagas em
estabelecimento adequado ao regime mais brando.
O juiz da
execução autorizou a progressão retroativa, em vista do atraso na
implementação do benefício, contando o prazo como se o preso
estivesse já no regime semiaberto desde 2006. Assim, antes mesmo de
ser efetivamente transferido a esse regime, ele já deveria passar ao
regime aberto. Para os ministros, no entanto, o entendimento
contraria a LEP, que impõe que o preso cumpra um sexto da pena no
regime fixado, antes de poder progredir.
Exame
criminológico
O prazo é
o requisito objetivo para a progressão. O requisito subjetivo está
retratado na Súmula 439. O verbete autoriza a realização do exame
criminológico como requisito para a progressão, desde que
justificado em cada caso específico.
Até
2003, a lei obrigava o exame em todos os casos. A nova redação
exigiu “bom comportamento” e motivação da decisão pela
progressão. Para o STJ, apesar de não ser mais obrigatório, o
laudo pericial para aferir a adequação do preso à realidade do
regime mais brando é um instrumento a serviço do juiz, quando este
entenda necessário e fundamente sua opção (HC 105.337).
Prisão
domiciliar
Mas se a
progressão por salto é vedada, o STJ também não admite que o
condenado cumpra pena em regime mais grave que o merecido. Assim, se
não há vaga em estabelecimento adequado ao regime a que faz jus o
preso, ele deve ser mantido em regime mais brando.
No HC
181.048, por exemplo, o ministro Gilson Dipp garantiu a condenado a
regime semiaberto que aguardasse em regime aberto, ou mesmo em prisão
domiciliar, o surgimento da respectiva vaga. Para o Tribunal, a
inércia do poder público não autoriza o recolhimento do condenado
em regime mais severo.
O STJ
também admite a prisão domiciliar para condenados ao regime
fechado, excepcionalmente, em caso de necessidade de tratamento
médico impossível de ser prestado no presídio.
Saída
temporária
Já em
1992, o STJ editou também a Súmula 40, ainda aplicável. O verbete
prevê que, para a obtenção dos benefícios da saída temporária e
do trabalho externo, basta ao réu que esteja em regime semiaberto e
tenha cumprido um sexto do total da pena, não necessariamente nesse
regime.
O
entendimento foi aplicado, por exemplo, no HC 134.102, de 2009, no
qual o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negava ao condenado a
visita periódica ao lar por conta do pouco tempo em que se
encontrava no regime semiaberto. A Quinta Turma aplicou a súmula e
concedeu o benefício ao preso.
Crimes
hediondos
A Lei dos
Crimes Hediondos, de 1990, originalmente impedia qualquer progressão
de regime aos condenados pelas práticas nela listadas. Porém, o
Supremo Tribunal Federal (STF), acolhendo entendimento já
manifestado pelo próprio STJ, entendeu que a lei era
inconstitucional.
O
Congresso editou nova lei em 2007, permitindo a progressão para tais
crimes, mas com prazos maiores em cada regime do que os previstos na
LEP. Para o Ministério Público, como a lei mais nova permitia a
progressão antes vedada, ela era mais benéfica e deveria ser
aplicada mesmo para crimes cometidos entre 1990 e 2007.
Mas o STJ
consagrou na Súmula 471 o entendimento de que a nova norma é mais
prejudicial. No HC 83.799, um dos precedentes que a embasaram, os
ministros esclareceram que, diante da inconstitucionalidade da Lei de
Crimes Hediondos original, a única legislação aplicável naquele
período seria a LEP.
Assim, a
nova lei, ao aumentar de um sexto para dois quintos (ou três
quintos, no caso de reincidência) os prazos para progressão, é
mais prejudicial ao condenado e inaplicável para os fatos anteriores
à sua vigência.
Remição
pelo estudo
Em 2003,
o STJ já reconhecia o direito do preso à remição de pena pelo
estudo, incorporado à legislação em 2011. O entendimento foi
fixado também na Súmula 371. Pela remição, o preso ganha um
“desconto” no tempo da pena, de um dia a cada três de trabalho
ou de estudo.
Para o
ministro Gilson Dipp, relator do Recurso Especial 445.942, que
embasou o enunciado, o objetivo da LEP ao prever o desconto de pena
pelo trabalho é incentivar o bom comportamento e a readaptação do
preso ao convívio social.
Assim, a
interpretação extensiva da lei, para permitir igual desconto pelo
estudo, atende a seus objetivos e dá aplicação correta ao
instituto. “A educação formal é a mais eficaz forma de
integração do indivíduo à sociedade”, afirmou o atual
vice-presidente do STJ.
Falta
grave
Se o
preso comete falta grave, no entanto, ele perde parte dos dias
remidos. O STJ entende (REsp 1.238.189) que essa punição não
ofende o direito adquirido, a coisa julgada ou a individualização
da pena, já que a remição é um instituto passível de revogação.
Atualmente, são faltas graves, por exemplo, fuga, rebelião e uso de
celular.
O
Tribunal também entende que a prática de falta grave implica
interrupção (isto é, reinício da contagem) do prazo para
progressão de regime, mas não para o livramento condicional e a
comutação da pena (EREsp 1.197.895).
Regime
aberto
O STJ
rejeita, porém, a remição por estudo ou trabalho no regime aberto.
É a situação retratada no REsp 1.223.281. Nesse caso, a Justiça
do Rio Grande do Sul havia concedido o “desconto”, por entender
que não havia impedimento legal para a medida. O ministro Og
Fernandes reiterou a jurisprudência pacífica do STJ, afirmando que
a lei prevê expressamente o benefício apenas para os regimes
fechado e semiaberto.
O
ministro Og Fernandes foi também o relator do Habeas Corpus 180.940,
no qual se flexibilizou a LEP para permitir que fosse dado ao
condenado um prazo razoável para buscar ocupação lícita.
O texto
legal exige que a prova de disponibilidade de trabalho imediato seja
feita antes da progressão ao regime aberto. Porém, o ministro
considerou que a realidade é que pessoas com antecedentes criminais
tenham maior dificuldade no mercado de trabalho formal, e observar a
previsão literal da lei inviabilizaria a existência do benefício.
Bolsa-masmorra
Fora da
esfera estritamente penal, o STJ também já decidiu sobre a
responsabilidade do estado pela superlotação. Diversos processos
trataram do dano moral sofrido pelo detento submetido a presídio com
número de presos muito superior à lotação.
Diante de
posicionamentos diversos entre as Turmas do Tribunal, foi julgado um
embargo de divergência sobre o tema. No EREsp 962.934, prevaleceu o
entendimento de que a concessão de indenização individual ao
submetido a superlotação ensejaria prejuízo à coletividade dos
encarcerados, ao reduzir ainda mais os recursos disponíveis para
investimentos públicos no setor.
A
avaliação do ministro Herman Benjamin no REsp 962.934 foi
confirmada pela Primeira Seção. Pela decisão, não faz sentido
autorizar que o estado, em vez de garantir direitos inalienáveis e
imprescritíveis titularizados pelos presos, pagasse àqueles que
dispusessem de advogados uma espécie de “bolsa-masmorra” em
troca da submissão diária e continuada a ofensas indesculpáveis.
A decisão
não transitou em julgado. O processo encontra-se suspenso em vista
da repercussão geral do tema, decretada pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) no Recurso Extraordinário 580.252.
Fonte
site STJ
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