Recentemente,
um caminhão que transportava fornos micro-ondas saiu do Maranhão
com destino a São Paulo, porém tombou na GO-080, já em Goiás,
entre as cidades de Nerópolis e Goiânia. Alguns motoristas que
passavam pararam e pegaram os fornos que estavam espalhados pelo
local. Até um ônibus estacionou para que os passageiros enchessem o
porta-malas com a mercadoria.
Ocorre
que a polícia foi acionada e, num cerco logo à frente, conseguiu
recuperar quase tudo que fora levado. Na delegacia de polícia, os
detidos estavam indignados, pois entendiam que a carga, por haver se
envolvido em acidente, não tinha mais dono.
No
Brasil há uma cultura equivocada sobre a propriedade da carga
acidentada. Por exemplo, se um caminhão que transporta cerveja ou
frutas tomba na estrada, logo se forma uma fila de carros à espera
da oportunidade de saquear. Mal o motorista é resgatado ou a polícia
se afasta, e lá vão os saqueadores agirem. Nesse caso está bem
caracterizado o crime de furto simples, que é previsto no Código
Penal no artigo 155, “caput”, e tem a seguinte redação: “Art.
155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena -
reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”
O
delito de furto se caracteriza pela subtração patrimonial não
violenta, com o fim especial de agir para si ou para outrem, sendo o
objeto da subtração coisa alheia móvel. O verbo “subtrair”
aqui empregado quer dizer tomar do poder de alguém uma coisa alheia
móvel. E a finalidade é o “animus forandi”, ou seja, de ter a
coisa alheia móvel para si ou para outrem. O elemento subjetivo do
tipo do furto consistente no dolo de apossamento do que não lhe
pertence.
No
caso em comento, ainda que o caminhão tenha se acidentado e a carga
se espalhado pela rodovia, isso por si só não tira a propriedade
sobre os objetos. Ou eles pertencem à fábrica ou à transportadora,
ao seguro, isso não interessa. De qualquer forma, só não pertence
àquele que saqueia.
Também
não se poderá alegar que a coisa foi abandonada pelo dono,
descaracterizando assim o conceito de coisa alheia, o que tornaria
atípica a conduta. Isso porque, numa emergência de acidente
automobilístico, com o veículo no local no aguardo da perícia e do
guincho, o proprietário da carga ainda não teve tempo hábil de
providenciar sua remoção. Diferente da hipótese, por exemplo, de o
veículo ser levado e o que ele transportava ser deixado no local.
Muito
menos diga-se que se trata de “res desperdicta”, ou seja, a coisa
perdida. Uma suposição é alguém encontrar um anel caído numa
calçada, colocá-lo no dedo e não devolvê-lo dentro de quinze
dias, pois nesse caso sua conduta se encaixaria no inciso II do art.
169 do Código Penal, que prevê o delito de apropriação de coisa
achada. Na hipótese do acidente com caminhão, a carga não foi
perdida, mesmo que tenha caído no mato, pois seu proprietário ainda
poderá empreender esforços para reavê-la.
Essa
cultura de apoderar-se do alheio, de tirar proveito da desgraça dos
outros, de obter vantagem sem se importar com a moral é a mais pura
aplicação da Lei de Gérson. É inconcebível agir sem racionalizar
o peso da conduta e fazer o que todos fazem naquele momento. Em vez
se prestar socorro ao motorista acidentado ou sinalizar a pista,
essas pessoas tumultuam ainda mais o local, provocam lentidão do
tráfego e por vezes até acidentes. E tudo isso no intuito de trazer
gratuitamente ao seu patrimônio algumas latas de cerveja, pacotes de
macarrão, nacos de carne e, por fim, fornos micro-ondas.
Adriano
Curado
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