quarta-feira, 10 de abril de 2013

O furto de carga em acidentes automobilísticos



     Recentemente, um caminhão que transportava fornos micro-ondas saiu do Maranhão com destino a São Paulo, porém tombou na GO-080, já em Goiás, entre as cidades de Nerópolis e Goiânia. Alguns motoristas que passavam pararam e pegaram os fornos que estavam espalhados pelo local. Até um ônibus estacionou para que os passageiros enchessem o porta-malas com a mercadoria.

     Ocorre que a polícia foi acionada e, num cerco logo à frente, conseguiu recuperar quase tudo que fora levado. Na delegacia de polícia, os detidos estavam indignados, pois entendiam que a carga, por haver se envolvido em acidente, não tinha mais dono.

     No Brasil há uma cultura equivocada sobre a propriedade da carga acidentada. Por exemplo, se um caminhão que transporta cerveja ou frutas tomba na estrada, logo se forma uma fila de carros à espera da oportunidade de saquear. Mal o motorista é resgatado ou a polícia se afasta, e lá vão os saqueadores agirem. Nesse caso está bem caracterizado o crime de furto simples, que é previsto no Código Penal no artigo 155, “caput”, e tem a seguinte redação: “Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”


     O delito de furto se caracteriza pela subtração patrimonial não violenta, com o fim especial de agir para si ou para outrem, sendo o objeto da subtração coisa alheia móvel. O verbo “subtrair” aqui empregado quer dizer tomar do poder de alguém uma coisa alheia móvel. E a finalidade é o “animus forandi”, ou seja, de ter a coisa alheia móvel para si ou para outrem. O elemento subjetivo do tipo do furto consistente no dolo de apossamento do que não lhe pertence.

     No caso em comento, ainda que o caminhão tenha se acidentado e a carga se espalhado pela rodovia, isso por si só não tira a propriedade sobre os objetos. Ou eles pertencem à fábrica ou à transportadora, ao seguro, isso não interessa. De qualquer forma, só não pertence àquele que saqueia.

     Também não se poderá alegar que a coisa foi abandonada pelo dono, descaracterizando assim o conceito de coisa alheia, o que tornaria atípica a conduta. Isso porque, numa emergência de acidente automobilístico, com o veículo no local no aguardo da perícia e do guincho, o proprietário da carga ainda não teve tempo hábil de providenciar sua remoção. Diferente da hipótese, por exemplo, de o veículo ser levado e o que ele transportava ser deixado no local.

     Muito menos diga-se que se trata de “res desperdicta”, ou seja, a coisa perdida. Uma suposição é alguém encontrar um anel caído numa calçada, colocá-lo no dedo e não devolvê-lo dentro de quinze dias, pois nesse caso sua conduta se encaixaria no inciso II do art. 169 do Código Penal, que prevê o delito de apropriação de coisa achada. Na hipótese do acidente com caminhão, a carga não foi perdida, mesmo que tenha caído no mato, pois seu proprietário ainda poderá empreender esforços para reavê-la.

     Essa cultura de apoderar-se do alheio, de tirar proveito da desgraça dos outros, de obter vantagem sem se importar com a moral é a mais pura aplicação da Lei de Gérson. É inconcebível agir sem racionalizar o peso da conduta e fazer o que todos fazem naquele momento. Em vez se prestar socorro ao motorista acidentado ou sinalizar a pista, essas pessoas tumultuam ainda mais o local, provocam lentidão do tráfego e por vezes até acidentes. E tudo isso no intuito de trazer gratuitamente ao seu patrimônio algumas latas de cerveja, pacotes de macarrão, nacos de carne e, por fim, fornos micro-ondas.

Adriano Curado

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