A
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é
possível a alteração de registro de nascimento para a inclusão do
sobrenome de companheiro, mesmo quando ausente comprovação de
impedimento legal para o casamento, conforme exigia o artigo 57,
parágrafo 2°, da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73).
A Turma,
seguindo o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, reformou
decisão do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), que havia negado o
pedido de alteração de registro a uma mulher que mantém união
estável há mais de 30 anos.
Para a
relatora, a consolidação da união estável no cenário jurídico
nacional, com a Constituição de 1988, deu nova abrangência ao
conceito de família e impôs ao Judiciário a necessidade de adaptar
à nova ordem jurídica a interpretação das leis produzidas no
ordenamento anterior. Isso se dá com a Lei 6.015, anterior à
instituição legal do divórcio.
“A mera
leitura do artigo 57, parágrafo 2º, da Lei 6.015, feita sob o
prisma do artigo 226, parágrafo 3º, da Constituição, mostra a
completa inadequação daquele texto de lei, o que exige a adoção
de posicionamento mais consentâneo à realidade constitucional e
social hoje existente”, concluiu.
Regime de
bens
A
companheira ajuizou ação pedindo a mudança do registro. Em
primeira instância, o pedido foi negado ao entendimento de que ela
não apontou nenhum impedimento legal para o casamento, que
possibilitasse a adoção do sobrenome do companheiro dentro da união
estável, de acordo com a Lei de Registros Públicos.
O TJGO
manteve a sentença por entender que a pretensão da mudança de nome
esbarra no artigo 57, parágrafo 2º, da Lei 6.015. Esse dispositivo
permitia que a mulher, e só ela, nas situações de concubinato,
adotasse o sobrenome do homem com quem vivia, mas sem suprimir seu
próprio nome de família. Para isso, porém, era obrigatório que a
mulher demonstrasse a existência de impedimento legal para o
casamento, naqueles tempos anteriores à Lei do Divórcio.
Para o
TJGO, o fato de não poderem se casar no regime de comunhão parcial
de bens, pois o companheiro tem mais de 60 anos, não constitui o
impedimento matrimonial exigido pela Lei dos Registros Públicos como
condição para a alteração do nome, uma vez que eles poderiam se
casar em outro regime.
Inconformada,
a companheira recorreu ao STJ alegando que o TJGO não interpretou
corretamente a Lei 6.015 à luz da Constituição de 88. Para ela, o
fato de não poder se casar com o companheiro segundo o regime de
bens desejado, em virtude da idade, configura impedimento suficiente
para a aplicação da exceção prevista no artigo 57, parágrafo 2º,
daquela lei.
Artigo
anacrônico
Ao
analisar a questão, a relatora destacou que a Lei 6.015 tem merecido
constantes ajustes, ditados tanto pela Constituição superveniente,
como pelas profundas alterações sociais pelas quais o país tem
passado nas últimas décadas.
Segundo
Nancy Andrighi, a união estável carece de regulação específica
quanto à adoção de sobrenome pelo companheiro, não se encontrando
na Lei 6.015 os elementos necessários para a regulação da matéria.
Na verdade, o artigo 57 trata da adoção de sobrenome em relações
concubinárias, em período anterior à possibilidade de divórcio,
focando-se, portanto, nas relações familiares à margem da lei, que
não podiam ser regularizadas ante a indissolubilidade do casamento
então existente.
“Essa
normatização refletia a proteção e exclusividade que se dava ao
casamento – que era indissolúvel –, no início da década de 70
do século passado, pois este era o único elemento formador de
família, legalmente aceito, fórmula da qual derivavam as restrições
impostas pelo texto de lei citado, que apenas franqueava a adoção
de patronímico, por companheira, quando não houvesse a
possibilidade de casamento, por força da existência de um dos
impedimentos descritos em lei”, disse a ministra.
Segundo
ela, o texto do dispositivo legal está em harmonia com a nova ordem
jurídica. “Esse anacrônico artigo de lei não se presta para
balizar os pedidos de adoção de sobrenome dentro de uma união
estável”, acrescentou.
Mesma
solução
Na
ausência de regulação específica, afirmou a relatora, o problema
deve ser resolvido pela aplicação analógica das disposições do
Código Civil relativas à adoção de sobrenome no casamento, porque
é claro “o elemento de identidade entre os institutos”.
Como a
adoção do sobrenome do cônjuge no casamento (situação regulada)
é semelhante à questão do sobrenome na união estável (assunto
não regulado), “a solução aplicada à circunstância normatizada
deve servir para a fixação da possibilidade de adoção de
patronímico de companheiro dentro da união estável”. Segundo
Nancy Andrighi, “onde impera a mesma razão deve prevalecer a mesma
decisão”.
“A
única ressalva que se faz, e isso em atenção às peculiaridades da
união estável, é que seja feita a prova documental da relação,
por instrumento público, e nela haja a anuência do companheiro que
terá o nome adotado, cautelas dispensáveis dentro do casamento,
pelas formalidades legais que envolvem esse tipo de relacionamento,
mas que não inviabilizam a aplicação analógica das disposições
constantes no Código Civil”, acrescentou a ministra.
Foto:
Site STJ
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